!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> Panteras Rosa: abril 2008

quarta-feira, abril 30, 2008

2 Maio - Festa organizada pela 3ª Marcha LGBT do Porto

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1 de Maio - renascer na origem

1886, 1 de Maio, os trabalhadores das principais cidades norte-americanas entram em greve e marcham por melhores salários e pela jornada de oito horas. Nova Iorque, Boston e Chicago, as cidades da industrialização americana do final do sáculo, vêem centenas de milhares de trabalhadores nas ruas a exigir direitos. Em Chicago, o ponto de encontro foi no Haymarket Square, esquina com a Randolph e a Des Palines, hoje WestLoup, a baixa comercial da cidade. Os organizadores, militantes anarquistas, grande parte originários da emigração alemã intervinham num palco improvisado, muitos outros trabalhadores também. Uma bomba artesanal explode próximo do contingente policial que vigiava a manifestação e vitima sete polícias. No mesmo dia as represálias fazem pelo menos 4 vítimas entre os manifestantes e muitas dezenas de feridos.
Nos dias que se seguem a repressão e a perseguição ao movimento dos trabalhadores é implacável e todos os principais organizadores são presos, julgados sumariamente e enforcados. Dois anos depois as autoridades da cidade erguem em Haymarket uma estátua de homenagem aos polícias vítimas do rebentamento. A estátua é constantemente vandalizada e hoje repousa no fim de um parque sem grande movimento. Por outro lado, desde 2004, o local está assinalado por uma escultura e homenagem aos trabalhadores e paga pelo dinheiro de fundos sindicais de várias centrais do mundo.
Claro que a guerra fria e o pânico ao comunismo fez com que o Labour Day americano seja comemorado em Junho e não como no resto do mundo no 1 de Maio. Mas desde 2006, em Chicago, no Primeiro de Maio realiza-se uma Marcha pelos direitos laborais dos imigrantes. Mais de 200 mil pessoas exigiam papéis, direitos familiares, salários iguais. E Chigaco é uma cidade construída por imigrantes, como tantas nos EUA. Este ano a marcha repete-se e juntaram-se as organizações LGBTQ, que convocam a populacao para este dia de protesto. O Primeiro de Maio está a renascer em Chicago, onde tudo começou. E os trabalhadores e as trabalhadoras agora são de todas as cores.
João Carlos
Pantera em Chicago

AMANHÃ: MAYDAY!


MayDay Lisboa 2008
Parada MayDay :: 1º de Maio :: Dia d@ Trabalhador/a


O MayDay é uma parada de precári@s que vem marcando o 1º de Maio em várias cidades por esse mundo fora, desde da estreia em 2001, em Milão. Depois da primeira edição no ano passado, o MayDay Lisboa está de volta!

Uma organização aberta a tod@s permitiu continuar o nosso percurso de visibilidade e mobilização. Acções públicas, debates, festas e muita gente a juntar-se para fazer uma parada mobilizadora, onde a imaginação transforma a rua num espaço em que desfila a alegria da recusa de uma vida aos bocados. Na parada MayDay cabemos tod@s: mais nov@s e mais velh@s, operadores de call-center, "caixas" de supermercado, cientistas a bolsa, intermitentes, desempregad@s, estagiári@s, contratad@s a prazo, estudantes que vivem ou pressentem a precariedade,…

:: Concentração no Largo Camões (metro Baixa / Chiado), a partir das 13 horas, para pic-nic e animação ::

:: Partida às 15 horas em direcção ao Martim Moniz ::

:: Desfile com a Manifestação do Dia d@ Trabalhador/a ::



Esta parada depende de tod@s nós! Passa a palavra do precariado em luta!
É urgente! A 1 de Maio soamos o alarme!

MayDay!! MayDay!!
O precariado contra-ataca!!

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segunda-feira, abril 28, 2008

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)



Se a linguagem é um virus, a poesia é a concepção de novas estirpes.
escondida nas gavetas, sempre ela andou, e atrás dos olhos de alguns, bem pragmáticos e aborrecidos seres...
à espera do dia das plumas

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quinta-feira, abril 24, 2008

BE anuncia campanha LGBT nacional e iniciativas parlamentares

A 22 de Maio, o Bloco de Esquerda (BE) apresentou à imprensa e às associações lgbt portuguesas, a abertura e realização, até Junho, de umas Jornadas "Sem medos Contra a Homofobia", numa iniciativa que contou com a presença da apresentadora de televisão Solange F., do deputado José Soeiro, e de Francisco Louçã.
As Jornadas do BE sobre a temática LGBT vão percorrer vários distritos do país e cuminarão, em Junho, com a realização de um Fórum Público no qual o partido pretende juntar "os universos activista, associativo, académico, as pessoas, o movimento..." para uma reflexão sobre o combate à discriminação da população LGBT. Até à conclusão destas suas jornadas, o BE pretende desenvolver e apresentar mais propostas legais nesta área, a acrescentar às que desenvolveu noutros anos mas que ainda não tiveram acesso ao plenário da Assembleia da República, como a do casamento civil ou a do fim da discriminação no acesso à adopção de crianças.
O BE apresentou já, porém, nesta ocasião, três projectos de recomendação ao governo para legislar instituindo o dia nacional contra a homofobia (associando à data medidas e recursos para a prevenção da discriminação), e respondendo a 2 reivindicações antigas do movimento LGBT: um conjunto de boas práticas para as forças de segurança no tratamento de crimes de ódio, e o combate à discriminação nos serviços de recolha de sangue.
Intervenções de activistas e membros de associações, chamaram a atenção para questões como a do isolamento das pessoas LGBT fora dos grande centros urbanos, ou a necessidade de legislar sobre a identidade de género.
Em sequência, o deputado José Soeiro reafirmou que o Bloco de Esquerda irá avançar com o agendamento, ainda nesta legislatura, do seu projecto-Lei consagrando o alargamento do direito ao casamento civil a pessoas do mesmo sexo. Afirmou também que, na sequência das audiências parlamentares para as quais o BE manteve recentemente com as associações lgbt, e em particular uma audiência sobre o tema transsexual e transgénero, o seu grupo parlamentar se encontra a trabalhar o tema da protecção do direito à identidade de género, sem no entanto prever prazos para apresentação de propostas concreta sobre este tema, ou especificar se ele será concretizado entre as propostas a apresentar durante esta campanha pública.

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segunda-feira, abril 21, 2008

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)

O despedimento do juíz-beato

Um juiz, titular do Tribunal de Familia de Murcia, acaba de ser temporariamente afastado da magistratura por homofobia e em consequência de um processo de atraso malicioso na administração da justiça.
Fernando Ferrin Calamita, admirador confesso de Escrivá de Balanguer, tinha há quase dois anos na sua secretária um processo de adopção de um casal de lésbicas da filha biológica de uma delas. Mas as suas convicções religiosas levaram-no a decidir não decidir e o Conselho Geral do Poder Judicial do Estado vizinho castigou-o afastando-o do exercício da magistratura. Claro que os antecedentes deste personagem tornaram-se célebres pelas declarações absurdas e homófobas: " a condição homossexual influe e muito no exercício das funções parentais. O ambiente homossexual prejudica os menores e aumenta sensivelmente o risco de que estes também o sejam"; sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, "uma lei não pode ir contra a natureza das coisas, não pode decidir que a Terra é plana quando sabemos que não o é", " o homem e a mulher são complementários entre si. Dois homens e duas mulheres não". Também no início de carreira, em Cádiz, mandou prender duas mulheres por estarem em top less numa praia em que as disposições das autoridades civis permitiam o nudismo. O juiz-beato sentiu-se ofendido com os corpos das mulheres na praia e ainda por cima sem nenhum varão visível para lhe assegurar a essência do núcleo familiar patriarcal.
Chega provavelmente ao fim a carreira deste administrador da justiça que o fazia através das suas convicções religiosas e com as leis divinas a determinarem os procedimentos da justiça para os seres humanos.
Por cá, não há notícia de juízes afastados, muito menos por homofobia. Dois anos de atraso em decisões juiciais não são nada no mar de processos que vêem passar anos e décadas sem qualquer decisão. Claro que as leis também não ajudam ao não reconhecerem as familias constituidas por pessoas do mesmo sexo. Mas já tivémos um juiz que considerou atenuante em crime de homícido o facto da mulher assassinada não ter querido ter relações sexuais com o marido-homicida. Tanto quanto sabemos, este juíz continua a exercer a profissão e a decidir sobre a vida das pessoas.
Mas é rápida a justiça portuguesa quando se trata de defender a sua própria honra, e por isso o dirigente do SOS Racismo, José Falcão, foi recentemente condenado por ter proferido publicamente o que muita gente pensa e pode observar a olho nú, que neste país há uma justiça para pobres e outra para ricos. E é que há mesmo diz a Pantera, que há dias em que preferia ser murciana...

domingo, abril 20, 2008

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)



Se a humanidade é um arranjo sobre/por cima da biologia, porque escolhe esse arranjo animalismos de outras espécies?
A obcessão da criação, um fremir entre o sujeito e o objecto, a nossa mais arcaica verdade. Trabalho voluntário, interrompe o prazer.
A lei da alavanca contra o macho alfa.

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quinta-feira, abril 17, 2008

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)

quarta-feira, abril 16, 2008

Precariedade, controlo social e transversalidade das lutas

Que a precariedade congela vidas não é segredo. Que os recibos verdes e a figura do "acto isolado" são usados indevidamente por certos "patrões" também não. E é do conhecimento geral que o outsourcing é usado, mais do para contratar serviços especializados, para fugir a maçadas como os seguros de trabalho, as contribuições para a segurança social, a medicina no trabalho, a gestão de férias...
Mas os vínculos laborais precários têm outra dimensão: podem ser instrumentos de controlo social.

Nas (raras) empresas de tendência quem acorda trabalhar na empresa sabe que irá trabalhar dentro de um conjunto de princípios orientadores já definidos. São disso exemplo a Rádio Renascença ou certas escolas religiosas. Contudo a maioria das empresas é criada tendo (oficialmente) apenas o lucro como único objectivo. Mas entre o "oficial" e o real por vezes vai uma grande distância. Empresas há que implementam políticas ilegais (lembram‑se daquele banco do Jardim Gonçalves que não contratava mulheres?) e acontece por vezes que, mesmo que a direcção da empresa não o faça, essas políticas são decididas e implementadas por chefes de departamentos ou secções da empresa. Independentemente do nível hierárquico de onde emanam tais políticas é evidente que os vínculos precários fragilizam @s trabalhadoras/es que delas sejam alvo.

Concretizando num exemplo: a empresa ABC contrata a Rute (a termo, claro) para trabalhar no call‑center da empresa XPTO; a Rute trabalha sob a direcção do Zé; o Zé embirra com a Rute e quando o contrato chega ao fim já o Zé preparou um bonito relatório com motivos para que o contrato da Rute não seja renovado (fazendo com que as falhas da Rute pareçam mais ou piores que as de colegas que não produzem tanto nem tão bem). Na verdade o Zé resolveu usar o seu poder para a "castigar" porque a Rute tem uma argola no nariz, ou porque usa rastas, ou porque é fufa, ou monhé, ou vesga, ou... O importante é que quem contratou a Rute até poderia estar a pensar usar (indevidamente) os contratos a termo durante um período experimental alargado oferecendo‑lhe um vínculo sem termo ao fim de 2 anos – mas o vínculo precário da Rute permitiu que o Zé, motivado pelos seus preconceitos, lhe "fizesse a cama".

No exemplo acima a iniciativa parte de um funcionário, chefe da trabalhadora. Mas como se percebe a coisa pode assumir proporções de política (ilegal) da empresa e a precariedade do vínculo permite fazer imposições injustificáveis à(o)s trabalhadoras/es. Quem não calar e consentir, quem não se "adaptar" vai para a rua, é só esperar que o contrato chegue ao seu termo.

Os vínculos laborais precários podem ser (e por vezes são‑no mesmo) meios para a marginalização de pessoas contra quem os preconceitos sejam mais arreigados – por exemplo, pessoas transexuais (e outras "ameaças" ao modelo dicotómico de género do sistema sócio‑legal dominante) ou pessoas de etnia cigana (que, não representando qualquer "ameaça" concreta, inspiram um temor irracional a muita gente).

O preconceito alimenta‑se da ignorância. Contudo, enquanto o discurso politicamente correcto enche a boca com a “sociedade da informação”, pouco se faz para alterar o rumo da aparente "conspiração de estúpidos". A terciarização da economia é ilogicamente acompanhada por reformas do ensino técnico‑profissional que não respondem às necessidades da sociedade (não confundir com as necessidades do mercado!), pela desarticulação entre ensino secundário e universitário e pela diminuição do investimento nas áreas que menos interessam às empresas dominantes – como as ciências soft, apesar da sua importância para o estudo e aperfeiçoamento da organização social e económica e para o aproveitamento sustentado e sustentável dos recursos naturais e humanos. Nem as matemáticas se salvam – quando numa economia terciarizada o lógico seria ver empresas de transportes, por exemplo, organizando e financiando pólos de I&D sectoriais, investindo na investigação operacional ou na contratação de matemátic@s para "análise de pior caso".

A miopia e impunidade de quem legisla/governa/julga, o uso do aparelho de estado para servir interesses económicos privados, o insuficiente número de agentes de fiscalização e a sua deficiente (nalgumas áreas) formação, a dificuldade de prova, as (consequentemente) raras penalizações perfeitamente suportáveis pelos grandes grupos empresariais, a corrosão da solidariedade entre trabalhadoras/es pelo seu estrangulamento financeiro, a simples falta de tempo para a intervenção cívica e política (partidária ou não, no "sistema" ou em alternativa a este) – tudo isto contribui para a manutenção, quando não para o agravamento (para @s precári@s, claro) do estado de coisas.

É pois evidente que a precariedade permite a prática (discreta, mas activa) de discriminação negativa, contribuindo para a instabilidade económica e a exclusão social das pessoas discriminadas. O que até é ilegal, mas se a lei não fosse tantas e tantas vezes letra morta não haveria MayDay, nem Precári@s INflexíveis, nem FERVE, nem movimentos LBGT+, feministas, paritários, anti‑racistas, laicistas...

A luta contras os preconceitos e discriminações é transversal às suas múltiplas dimensões (é totó crer que se pode combater o racismo sem combater a transfobia ou combater a discriminação com base na deficiência sem combater o sexismo) e é igualmente indissociável das lutas por outra forma de organização social.
Uma organização em que a sociedade seja participativa e participada, transparente, sensível, solidária, etológica, empática e “compaixonada”, informativa e informada; onde a exploração do que é de tod@s (como os recursos naturais, o ambiente natural, patrimonial e urbano, os conhecimentos, ideias e algoritmos) não sirva apenas alguns; onde a exploração, a precariedade e a exclusão sejam erradicadas.

É por isto que os movimentos sociais que pretendam um mundo melhor devem estar no MayDay e é por isto que o MayDay deve estar nos restantes movimentos sociais. A pluralidade, o diálogo e a solidariedade fazem a força!

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terça-feira, abril 15, 2008

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)

segunda-feira, abril 14, 2008

Finda o julgamento de 1 agressor de Gisberta...







Portugal: país europeu campeão de assassinatos violentos de transsexuais e da relutância em encará-lo, legislando ou educando. País campeão na ausência de culpados de crimes transfóbicos, na transfobia institucionalizada e no desrespeito pelo direito à Identidade de Género. Quanta mais violência será necessária para se admitir e proteger?

Ministério Público tinha pedido pena inferior à aplicada
Caso Gisberta: arguido condenado a oito meses de prisão efectiva por omissão de auxílio
Público on-line 14.04.2008 - 16h12 Ana Cristina Pereira, com Lusa

"Foi condenado a oito meses de prisão efectiva. Se quiser, pode cumpri-los em casa. O juiz-presidente lamentou que o jovem Vítor S., agora com 18 anos, tivesse assistido impávido ao "definhar de um ser humano" motivado por uma "agressão selvática e desumana". A sua culpa é, no entender do magistrado, "intensa" e "merecedora de censura ética elevadíssima".
O Tribunal de São João Novo, Porto, condenava assim, esta tarde, um dos jovens envolvidos na morte de Gisberta – transexual, imigrante, sem-abrigo, seropositiva, toxicodependente, em Fevereiro de 2006 agredida com paus, pedras, pontapés por um grupo de rapazes e atirada a um poço. O Ministério Público não pedira tanto. A procuradora Maria José Fernandes queria que o jovem fosse condenado a acompanhar o trabalho de uma instituição de apoio aos sem-abrigo, todas as sexta-feiras, durante meio ano, em alternativa ao cumprimento de meio ano de prisão. Contudo, à pena aplicada - o máximo permitido para aquele crime praticado por jovens - são descontados dois meses e cinco dias de prisão preventiva que Vítor S. já cumpriu.
O tribunal "não acreditou nos menores, mas o certo é que, "face à míngua de prova" "não foi possível apurar a actuação concreta do Vítor" no que toca a eventuais agressões a Gisberta, lamentou. Já quanto à omissão de auxílio, a "atitude covarde" ficou provada, segundo o magistrado. (...)."
Mais:

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domingo, abril 13, 2008

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)

sábado, abril 12, 2008

MAYDAY MAYDAY!


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sexta-feira, abril 11, 2008

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)


(human rights are negative onthology: define not what humans are, but what they cannot be; all positiveness will spawn as such from those boundaries, get aknowleged and turn real)

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quarta-feira, abril 09, 2008

GENDER TROUBLE

Alguns/mas terão tido oportunidade de ver esta curta do nosso amigo Tom de Pekin (Paris) no Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, ou Queer Lisboa, há dois anos.
Nunca é demais :)
gender trouble

Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)

MAYDAY!


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A repressão da homossexualidade no Estado Novo

“Actos Contra a Natureza” - A repressão social, cultural e policial da homossexualidade no Estado Novo *
Sérgio Vitorino
Outubro 2007
A seis de Abril de 1962, o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa determinava as medidas de segurança a aplicar a Júlio Fogaça, dirigente do Partido Comunista Português (PCP) que dois anos antes havia sido detido pela PIDE numa pensão da Nazaré onde se encontrava acompanhado de um homem com quem mantinha uma relação amorosa.
Tendo sido “classificado de “pederasta passivo e habitual” na prática de vícios contra a natureza”, Fogaça é sujeito a um período de detenção seguido de uma “liberdade vigiada” por cinco anos, sob obrigação de fixar residência em Lisboa, dando conhecimento da morada à Polícia Judiciária, mas não podendo ausentar-se sem prévia autorização do Tribunal. É-lhe ainda imposto “dedicar-se ao trabalho honesto com permanência, mas não à prática de quaisquer vícios contra a natureza”, bem como “não acompanhar cadastrados, antigos companheiros de prisão, pederastas ou quaisquer pessoas de conduta duvidosa (...)”.
Não se trata da primeira prisão desde dirigente do PCP. Em 1935 foi preso e deportado para a prisão do Tarrafal (Cabo Verde). Amnistiado, regressa a Portugal em 1940 e participa na reorganização do PCP. É de novo detido em 1942, sendo de novo amnistiado em 45, após nova passagem pelo Tarrafal.
Durante a década de 50, sustenta, a tese do derrube pacífico do regime, mas acabará por sair derrotado da disputa interna contra Álvaro Cunhal pela definição da linha do partido no combate ao regime do Estado Novo. Nessa altura, tinha já sido detido na Nazaré, e só será libertado em 1970.
Mas a sua orientação sexual – e não a sua actividade “subversiva” enquanto comunista - foi desta vez o pretexto. E será utilizada tanto pela PIDE como pelo PCP para traçar a sua sorte. O partido, que no seguimento da derrota da sua linha política, acusada por Cunhal de ser um “desvio de direita”, já havia excluído Fogaça da fuga de um conjunto de dirigentes comunistas do Forte de Caxias, em 1961, expulsa-o pouco tempo depois da organização, igualmente com o pretexto da sua conduta moral e uma acusação de irregularidades relacionadas com fundos. A sua homossexualidade é também sobejamente utilizada pela PIDE, através da divulgação da confissão do seu companheiro de detenção junto dos meios oposicionistas, de forma a denegrir o PCP.

O caso de Júlio Fogaça, apesar da particularidade do uso político que teve, pode ser olhado como uma caricatura da hipocrisia moral do Estado Novo perante a homossexualidade, a sexualidade não-reprodutiva e tudo o que é considerado marginal à “ordem moral” defendida pelo regime ao longo da sua vigência. Desde as campanhas públicas moralizadoras iniciais e criação de legislação repressiva no domínio dos costumes, até à institucionalização de um modelo repressivo e carcerário que recaía sobre um vasto conjunto de “marginalidades e “imoralidades”, mas que penalizava sobretudo a pobreza, o discurso de “regeneração moral” do Estado Novo encontra eco nas defesas morais da própria oposição, como na determinação dos anarco-sindicalistas pela abolição da prostituição no início do século, ou na rejeição da homossexualidade pelos militantes comunistas, que viriam, por exemplo, a fazer dela critério de “saneamento” já no período revolucionário pós-25 de Abril.

“Regeneração moral”
O episódio de Fogaça não é inteiramente original. Outro exemplo de utilização da homossexualidade como arma de arremesso político pode ser retirado do próprio processo político que leva ao golpe militar de 28 de Maio de 1926 e inicia a construção do Estado Novo. Manuel Teixeira Gomes, sétimo Presidente da República (1923-1925, Iª República), e mais tarde opositor de Salazar, viria a afastar-se do cargo, nesse período de conturbada disputa política, com o pretexto oficial de se dedicar exclusivamente à literatura.
Em 1904, o futuro presidente, também escritor profícuo, publicava
Agosto Azul: “(...) Finalmente topamos numa enseada distante com dois escaleres da armada que dois marinheiros nus enchem de areia. São marujos malteses, de pele baça e modelados como Hércules – os mesmos corpos de possantíssimos escravos que as gravuras antigas punham a remar nas galés do Grão Turco. Era placidamente heróico o espectáculo dos seus trigueiros corpos atléticos, que se bronzeavam à sobra lavados nas quentes reverberações da luz (...)”. Ainda hoje fora da historiografia corrente ou das biografias do escritor, fica a referência ao homoerotismo na obra de Manuel Teixeira Gomes, que enaltecia a beleza masculina, por exemplo dos jovens operários, e de este ter figurado entre os pretextos para a perseguição política – e moral – que lhe foi movida enquanto ocupou o cargo máximo da Nação.
Ainda no período da Iª República, em Março de 1923 o Governador Civil de Lisboa faz apreender e manda queimar exemplares de “Decadência” de Judith Teixeira, de “Sodoma Divinizada” de Raúl Leal, e das “Canções” de António Botto, na sequência de um indignado manifesto de estudantes de Lisboa, integralistas radicais e mais tarde – alguns – figuras do Estado Novo, como Pedro Theutónio Pereira, que escreve no jornal “Época” sobre a urgência de uma reacção “pronta e implacável”: “a quem manda nós apontamos hoje a necessidade imperiosa de fazer justiça, porque é preciso que os livreiros honrados expulsem das suas casas os livros torpes, é necessário que os adeptos da infâmia caiam sob a alçada da lei, que um movimento enérgico de repressão castigue em nome do bem público".
Raúl Leal atrevera-se a falar de “sodomia”, enquanto os poemas de Judith Teixeira e de Botto, que abordam de forma explícita o amor e o erotismo entre pessoas do mesmo sexo.
Contra a corrente do seu tempo, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), fará a defesa de António Botto e Raúl Leal em "Aviso por causa da moral" (Álvaro de Campos, Europa, 1923): “Quando o público soube que os estudantes de Lisboa, no intervalo de dizer obscenidades às senhoras que passam, estavam empenhados em moralizar toda a gente, teve uma exclamação de impaciência (...) Os moços da vida da escolas intrometem-se com os escritores que não passam pelas mesmas razões que se intrometem com as senhoras que passam. Se não sabem a razão antes de lha dizer, também a não saberiam depois. Se a pudessem saber, não se intrometeriam nem com as senhoras nem com os escritores. Bolas para a gente ter que aturar isto! Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. (...) Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte (...)”.
Por sua vez, Judith Teixeira defende-se com uma conferência pública, "De mim", para a qual escreve: “Vivi nas horas dessa ardente concepção, esta luxúria que era a forma da minha Sinceridade. (...) Desta minha alta concepção dos processos morais da existência, desta minha singular lealdade de “afirmar”, nasceu, pois, o desacordo entre mim e a Maioria. A compreensão vulgar chamou-me, por isto, é claro, imoral e dissolvente!...”.
De nada vale. O país está à beira de entrar em período ditatorial, como ilustram os claros apelos ao exercer da censura e a uma vigilância moral que o Estado Novo formalizaria.

A “mulher feminina”
No plano moral, o regime que resultou do golpe militar de 1926 deu resposta ideológica, legal, policial e prisional aos anseios de limpeza moral das classes burguesas urbanas que o sustentavam. Alvo das elites, toda a exclusão social: os “maus costumes de certas classes da população da cidade: ofensas corporais, desobediência, embriaguez, difamação, calúnia e injúria, ultraje à moral pública, vadiagem, mendicidade e ameaças”
[1].
A Constituição do Estado Novo (1933) determinava (artº 5º) a igualdade de cidadãos perante a lei "salvas, quanto à mulher as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família". Alterado em 1971, conservou a expressão "salvas, quanto à mulher as diferenças resultantes da sua natureza". O sentido da doutrinação é claro: à mulher cabe o papel de “mãe, esposa, irmã ou filha de todos os que somos em Portugal” (Salazar
[2]), e portanto confinado à família. Apesar de reconhecer o direito de voto às mulheres em 1931, o regime limita-o às diplomadas com cursos superiores ou, pelo menos, com o Ensino Secundário.
Os sucessivos Códigos Civis do Estado Novo definiam a chefia masculina do agregado familiar, com poder de decisão sobre a decisão de a esposa trabalhar ou não, ou de lhe autorizar a entrada ou saída no País. A versão de 1967 ainda declara a não-virgindade da mulher como motivo de anulação do matrimónio, legitima a violação da correspondência da esposa pelo marido, e aceita que o flagrante adultério pode determinar pena branda pelo seu assassinato.
A Obra das Mães pela Educação Nacional (criada em 1936), a Mocidade Portuguesa Feminina e organizações católicas propõem às mulheres a aprendizagem das tarefas caseiras, a ocupação integral com o cuidar dos filhos, uma valorização do “feminino”, por oposição ao novo feminismo pós-sufragistas, e aos novos estereótipos e modos de vida de mulheres a caminho da emancipação que chegavam do estrangeiro, sobretudo desde o fim da IIª Guerra.

A institucionalização de um modelo repressivo
No concreto, a “regeneração social” resultante do esforço de doutrinação do Estado Novo, visa particularmente a visibilidade social da mendicidade e da “indigência” ou “vadiagem” - negando e ocultando a existência da pobreza e da miséria -, da prostituição (ora legalizada por Salazar em 1938, ora proibida de novo a partir de 1943 por pressão da Igreja Católica), ou de toda a sexualidade que agredisse “o princípio básico da moral sexual”, o primado da família patriarcal, e “o da sexualidade genital e da reprodução”, ou seja, quaisquer práticas para além da cópula entre homem e mulher, “acto humano por excelência, pois é com ele que a espécie humana se reproduz”
[3]. Aquilo a que a legislação chamará, sem definir, “vícios contra a natureza”, e que contém não apenas os actos homossexuais, como também a prostituição e toda a sexualidade não reprodutiva.
Assim, o Código Penal (CP) do Estado Novo baseia-se no de 1886 (por sua vez, resultante da revisão do primeiro CP, de 1855), e nenhuma das reformas a que o submete - 1954, 1972, 1975 e 1977 – altera o princípio de criminalização da homossexualidade, que em Portugal só seria abolido com a revisão de 1982. Mas vai mais longe, assumindo para o Estado a responsabilidade de uma intervenção musculada para lidar com problemas sociais que normalmente ficariam entregues à esfera da actividade social da Igreja Católica.
Mas, no contexto de longos períodos de depressão económica, de um êxodo rural crescente e permanente para as cidades, de um trabalho assalariado sem garantias nem segurança, grande parte da população, pobre, entrava potencialmente na qualificação de marginal. “A repressão, pelo Estado Novo, de mendigos, prostitutas, doentes mentais e homossexuais, a cargo da Polícia de Segurança Pública, tinha o duplo objectivo de os separar do resto da sociedade e de dar credibilidade ao projecto de regeneração dos portugueses (...)”
[4]. Afastar do corpo social dos “bons portugueses” os maus exemplos desviantes e “contagiantes” de “moral duvidosa”, que questionavam directamente os pilares da ideologia de Estado (submissão aos valores do trabalho, da obediência hierárquica, da família patriarcal), era essencial para credibilizar o projecto “regenerador” do regime e esconder as realidades sociais incómodas que se temia prejudicarem a “imagem” externa do País.

Assim, nos anos 30, desenvolve-se uma política estruturada, fundamentalmente policial e carcerária, de repressão da vadiagem e demais “marginalidades”. No artigo 71º do Código Penal do Estado Novo, os indivíduos que se entregassem “habitualmente à prática de vícios contra a natureza” são equiparados a tipos sociais como os "vadios", os "mendigos", os "rufiões que vivam a expensas de mulheres prostituídas", bem como às "prostitutas que sejam causa de escândalo público”, sendo-lhes atribuídas no artigo anterior as mesmas penalizações.
Entre estas, encontramos “medidas de segurança” como o “internamento em manicómio criminal”, “o internamento em casa de trabalho ou colónia agrícola”, a “liberdade vigiada”;a “caução de boa conduta” ou a “interdição do exercício de profissão”.
A insistência no carácter “habitual” dos vícios penalizados tem razão de ser. Apesar de o início do século XX ter sido marcado pelos precursores da sexologia e do movimento homossexual moderno, com o resultado da descriminalização da homossexualidade na Alemanha e na Rússia bolchevique, a base da criminalização da homossexualidade assenta por esta altura, nas sociedades ocidentais, numa nova visão, medicalizante, do “desvio” homossexual, de que Egas Moniz é exemplo em Portugal, e que perdurará nas legislações repressivas de todo o século XX
[5].

A medicalização do “desvio”
Já em 1902, Egas Moniz ditava as linhas desse olhar "científico" que a medicina moderna lançaria sobre a homossexualidade, considerando-a uma doença mental e uma perversão, na sua obra “A Vida Sexual”. No segundo volume, “Pathologia”, que permaneceu como livro de referência e de grande influência em Portugal, quer no meio médico, quer no meio jurídico, escrevia sobre o lesbianismo: “O tribadismo está bastante espalhado e grassa com grande intensidade, epidemicamente mesmo, nos centros mais populosos da Europa. Encontram-se em todas as sociedades, mas onde mais se evidencia é no mundo da prostituição, entre as actrizes e no seio da aristocracia”. Assim, a lésbica, ou “(...) tribade passa uma vida intima de torturas por não ter nascido homem: ella e o uranista completar-se-hiam operando uma troca de orgão sexuais.” Ou, mais claro, sobre a homossexualidade: “(...) A inversão sexual é uma doença tão digna de ser tratada como qualquer outra”.
As notas de rodapé a uma edição de 1986 do CP, citadas por Fernanda Câncio
[6], distinguem os homossexuais masculinos entre “invertidos” - “verdadeiros homossexuais, aqueles que assim procedem porque uma força estranha, um impulso da natureza, um pendor independente da sua vontade, dominando-os inteiramente, lhes anula toda a resistência que seria natural revelarem (...)”, a serem “curados” e não castigados, “pois quem é homossexual por doença não pode ser castigado (...)” -, e “homossexuais perversos” ou “pseudo-homossexuais”, os que assim se comportam “(...) por imitação, por vício, por curiosidade, por divertimento até, e que em si não contêm qualquer estímulo íntimo que a tal os leve”.
A mesma distinção entre “doença” e uma “perversidade” de perigo contagiante é estendida à homossexualidade feminina, que, no entanto, nunca é citada, no entender dos juristas da época para não “dar más ideias às mulheres portuguesas”
[7]. Mas na prática, a repressão concreta não distingue entre “doente” ou “perverso e reincidente”, nem deixa de fora o lesbianismo, aplicando a toda a homossexualidade as mesmas penalizações. Estas, aliás, não se ficam pelas descritas no Código Penal, podendo ser acompanhadas de sanções complementares como “exclusão da prestação de serviço militar, quando se traduzam em actos atentatórios dos bons costumes ou que afectem gravemente a dignidade, judicialmente reconhecidos ou em processo disciplinar”, “efeitos disciplinares quando, tratando-se de funcionários públicos, possam integrar factos gravemente atentatórios do seu prestígio ou da dignidade da função”, “certas inibições ou incapacidades civis, como a inibição do poder paternal (...)”.[8]
Poucos aspectos da ditadura estarão hoje tão pouco estudados e desenvolvidos pelos historiadores quanto o das consequências da metódica repressão moral e penal sobre as sexualidades tidas como “vícios contrários à natureza”. E, no entanto – tal como durante a repressão se encontravam formas de resistência e vivência - particularmente a partir da década de 60, o mundo muda e os novos exemplos penetram, embora lentamente e com grandes resistências.
Como os vindos dos Estados Unidos, onde a partir dos anos 50 se desenvolvem movimentos homossexuais públicos e no final dos anos 60 - os das revoltas estudantis em Portugal ou do Maio de Paris - terão lugar os motins que marcam a génese do movimento LGBT
[9] moderno. Dali chegam, por exemplo, os filmes e as actrizes de culto que anunciam esses novos modos de vida nas entrelinhas da censura, corporizados também nas mudanças radicais da moda pronto-a-vestir, na roupa feminina cada vez mais simples e funcional, ou na chegada de estilos musicais como o “rock”, ou de “tipos” juvenis constituídos com base na experimentação de drogas. O Estado Novo pouco mais pode fazer do que atrasar a chegada de uma mudança que o ultrapassa – e à realidade nacional – mas que também em Portugal vai penetrando e respondendo aos novos anseios liberalizadores dos costumes de uma juventude a que a sociedade de consumo, entre outros factores, começa a dar identidade social própria.
A homossexualidade clandestina
A perseguição às expressões da homossexualidade na literatura e nas artes vai também ser uma constante no Estado Novo. Se falar de sexualidade já não é desejável, simplesmente escrever sobre homossexualidade é para muitos autores correr o risco de auto-inculpação. Nem “A Vida Sexual” de Egas Moniz, escapa à proibição. Nacionais ou estrangeiros, romances, livros de sexologia e psicanálise, filmes, despachos de agências noticiosas são proibidos numa base moral, para preservar os tabus instituídos e evitar junto da juventude o seguir de modelos “vindos de fora”.
Assim o dizem de forma transparente os próprios censores, na fase final do regime:
“04.02.1969 – Reuter de Paris. Fala na utilização da pílula. Não falar em pílula no título. Coronel Saraiva”
[10].
“24.01.1971 (23:00) – Notícia ou anúncio da TV europa, de uma emissão às 20,30 de amanhã sobre sexualidade nas sociedades modernas – é para CORTAR. Dr. Ornelas”
[11].
Sobre o filme Baby Love (“Amor Perigoso”), de Alastair Reid, Pinto Fernandes, censor, escreve em 1969: “Trata-se de um filme que, pelo seu tom geral, não merece ser importado. Além das cenas que exibem intenso realismo (modelo pouco aconselhável para a juventude), mostra outras imbuídas de homossexualismo feminino (...)”
[12]
Sobre outro filme proibido, “Intim Report” (Rubin Sharon, 1968): “Trata-se de mais um filme sobre temas sexuais. São postos com a maior naturalidade problemas de mães solteiras, aborto, homossexualismo nas prisões, sexualidade em ambientes juvenis, e tudo sem a conveniente reprovação moral”.[13]
“02.08.1970 O caso de Beja, de dois cavalheiros que se suicidaram. Eram homossexuais. Não se pode dizer que pediram, nas cartas que deixaram, que os sepultassem lado a lado nem que veneno tomaram”.[14]
“12.08.1972 (22,55) – No Parque Eduardo VII, em Lisboa, numa rusga policial, foram presos 24 indivíduos – vadios, prostitutas e homossexuais. Pode falar-se nos vadios e nas prostitutas, mas não nos homossexuais. Tenente Teixeira”[15]

Esta tentativa de apagar o “desvio” da realidade cultural e social, tem naturalmente ainda maior correspondência na vida real. A secção de costumes da PSP vigia os locais públicos e desdobra-se em rusgas e detenções que forçam as vivências homossexuais à clandestinidade e ao silêncio. É o “passa-palavra” sobre locais de encontro e convívio: “Não havia sítios oficialmente conotados. Mas havia sítios onde as pessoas sabiam que iriam encontrar outras, por transmissão pessoal”. (...) Havia grupos fechados que se convidavam entre si, mas os lugares públicos eram perigosos por causa da Polícia dos Costumes. A qualquer hora podiam aparecer 2 ou 3 agentes que identificavam todos os presentes e levariam presos os que não tivessem identificação consigo ou que lhes parecessem suspeitos; presos pelo menos por algumas horas, mas ficando isso registado no cadastro individual (...)”.
[16]
Alternativa são as pensões que, apesar de controladas pela polícia, abrem portas à prostituição, fechando também os olhos a outras actividades. Sobravam as praias, com menor vigilância, como as da Costa da Caparica antes da construção da ponte sobre o Tejo (1966), de que os homossexuais lisboetas, pelo menos a partir dos anos 50, começam a fazer local de encontro e convívio. Ou então os perigosos, porque extremamente vigiados, locais “de engate” – estações de comboio, saunas, ou “os urinóis”, como referido por um guarda da secção de costumes da PSP de Lisboa em entrevista a Susana Pereira Bastos: “Antigamente, havia junto daqueles sanitários públicos, os urinóis, no Rossio, no Largo da Anunciada, no Cais do Sodré, no Campo Pequeno (...) Eram homens, pederastas, que iam para os mictórios fazer as suas conquistas”.
“Politicamente, tudo o que não se vê, não é”.
A afirmação é de Salazar, e podia aplicar-se à intencionalidade do modelo carcerário desenvolvido a partir dos anos 30 pelo Estado Novo para “internar” o “chulo”, o homossexual, o vadio, a prostituta, a criança em “risco moral”, o louco ou doente mental, o mendigo, alguns dos tipos sociais mitificados pelo regime na figura socialmente inútil e ameaçadoramente subversiva do “vadio” ou “indigente”. Estes não têm de corresponder à realidade, são antes uma amálgama das marginalidades e condutas consideradas desviantes pela moral do regime, na verdade, na sua maioria, aquilo a que hoje chamaríamos, fenómenos de exclusão social.
Quem fosse considerado como integrante destas categorias e personalidades desadequadas à ordem social, arriscava a prisão por longos períodos, frequentemente indeterminados, com o fim professado de “reeducação” através da disciplina e do trabalho, naturalmente um fim sem sucesso, como reconhecido pelos próprios responsáveis destas instituições face às elevadas taxas de “reincidência”.
O “internamento” - tal como, para os opositores do regime, a prisão, o exílio ou a deportação por motivos políticos - era a medida de segurança mais gravosa contra o “perigo social”. Nestes casos, o destino de quem fosse apanhado e não soubesse ou pudesse pagar à polícia de costumes, ia parar a instituições como o Albergue de Mendicidade da Mitra, no Poço do Bispo, em Lisboa.
Instituição semi-carcerária, criada e dirigida pela PSP em 1933, o Albergue da Mitra recebeu, até 1951, mais de 12 mil indivíduos, segundo os livros de entrada analisados pela antropóloga Susana Pereira Bastos, e dela saíram pouco mais de 10 mil, muitos destes por falecimento. Neste período, a morte é a causa principal de “saída” do sobrelotado Albergue, acima de 26 por cento, e em vários anos representa mais de metade das “saídas”.
A mesma autora refere, sobre as entrevistas que conduziu a ex-reclusos, que “as memórias das mitras eram de uma grande violência, porque eram internados administrativamente sem passar pelo tribunal. Sofreram várias formas de violência corporal, sobretudo no anexo do Albergue da Mitra, a Colónia Agrícola do Pisão (Quinta do Pisão), para onde eram enviados os homossexuais, quer administrativamente, quer depois de condenados em Tribunal. Ali havia as chamadas «visitas ao pinhal», onde espancavam os internados”[17]. Os maus tratos não eram apenas habituais, mas prática instituída.Existia, por outro lado, uma relação de complementaridade entre a Mitra e as instituições psiquiátricas: muitos dos reclusos da Mitra, classificados como doentes mentais, foram internados sem assistência especializada, e com a “prescrição” dos mesmos princípios regeneradores de “trabalho e obediência”.
Mas, no final dos anos 40, início da década de 50, desaparecem as “brigadas de trabalho” formadas por prisioneiros. A partir de 1952, e até 1974, a Mitra, como instituições congéneres, é transformada numa instituição para-psiquiátrica, descendo radicalmente o número de internados prisioneiros em função de medidas de segurança, até à sua total reorientação apenas para os casos de internamento psiquiátrico. O modelo repressivo da Mitra está finalmente a caminho da desestruturação.
[1] Fatela, João (1989), O Sangue e a Rua: Elementos para uma Antropologia da Violência em Portugal (1926-1946), Lisboa, Publicações Dom Quixote.
[2] Oliveira Salazar, “Discursos e notas políticas”, 1939.
[3] jurista Carmona da Mota (citado por Figueiredo Dias em 1972), referência de Fernanda Câncio in “No princípio era a igualdade”, DN Magazine 9/5/99
[4] BASTOS, Susana Pereira, “O Estado Novo e os seus vadios” – Contribuição para o Estudo das Identidades Marginais e da sua Repressão, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997
[5] Inclusivamente no caso português: termos como “inversão” ou “aberração” do instinto sexual natural” persistem, por exemplo, nas regulamentações militares até final dos anos 90.
[6] DN magazine 9/5/99, “No princípio era a igualdade”.
[7] AGUIAR, Asdrubal de, “Medicina legal” - Lisboa : Empresa Universidade Editora - 2º vol.: Sexologia forense, 1941.
[8] Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, Janeiro de 1980, elaborado por Lopes Rocha, no qual se sustenta que “não estão consagradas na lei portuguesa discriminações relativamente aos homossexuais, unicamente decorrentes desta anomalia”, não podendo “todavia, analisar-se os efeitos descritos na conclusão anterior como verdadeiras discriminações, uma vez que os mesmos podem resultar, em termos genéricos, de mau comportamento social ou de actos atentatórios dos bons costumes, que atingem outros comportamentos não necessariamente relacionados com a homossexualidade”. A descriminalização da homossexualidade em Portugal ocorre dois anos depois.
[9] Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero.
[10] Telegramas telefonados da Comissão de Exame Prévio do Porto, seleccionados do arquivo do Jornal de Notícias, despachos via TLP entre 05 de Janeiro de 1967 e 24 de Abril de 74). PRÍNCIPE, César, in “Os Segredos da Censura”, Ed. Caminho, Colecção Nosso Mundo. Lisboa, 1979.
[11] Ídem
[12] ANTÓNIO, Lauro. "Cinema e censura em Portugal", Biblioteca Museu República e Resistência, Lisboa, 2001
[13] Ídem
[14] PRÍNCIPE, César, in “Os Segredos da Censura”, Ed. Caminho, Colecção Nosso Mundo.Lisboa, 1979
[15] Ídem
[16] Entrevista com Ana Silva (Revista lésbica “Lilás” nº8, 1994, pág 35)
[17] Susana Pereira Bastos, em entrevista a Simon Kuin, Revista do Expresso, 1 de Março de 1997.
* Artigo desenvolvido a partir do trabalho de investigação inter-associativo que culminou na realização da exposição "Olhares (d)a Homossexualidade - um contributo para a história da homossexualidade no século XX português", 2002, vários autores.

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Espaço ao Sobrenatural (uma rubrica ficcional)

terça-feira, abril 08, 2008

INATO OU ADQUIRIDO

Para quem entende o francês, eis um excerto de um documentário esclarecedor sobre este velho tema, numa época em que a ciência - quantas vezes imbuída de objectivos morais - não desistiu ainda de procurar no biológico e nos genes todas as explicações para os nossos desejos e identidades sexual ou de género, como se fossemos imutáveis após a nascença, e não imprevisíveis como tudo o que é humano...

sexta-feira, abril 04, 2008

Garras de fora kontra a transfobia, também em Barcelona, mais fotos







Fotos de Pau

quinta-feira, abril 03, 2008

Acção em memória de LUNA em PARIS